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Blue Apron: a startup de alimentação dos EUA que saiu para frente, mas se perdeu no caminho
O case da marca que liderou a revolução dos meal kits, mas caiu na armadilha de escalar mídia sem escutar o produto — e pagou caro pela dissonância entre promessa e entrega.
Todo mundo ama uma boa história de sucesso.
Nos sentimos inspirados, com vontade de aplicar as mesmas táticas em nossos negócios, com a sensação de que aquilo já foi testado e comprovado — portanto, é uma boa ação.
Mas e quando a história é diferente?
Um erro faz você refletir bem mais do que um acerto e, como todos dizem, quase sempre ensina mais.
Este é o caso da Blue Apron — a pioneira dos kits de comida nos Estados Unidos.

Uma das fotos de catalogo da Blue Apron em seu site.
Uma startup que criou uma nova categoria, encantou investidores, cresceu agressivamente... mas esqueceu de fazer a conta mais importante do marketing: quanto custa adquirir um cliente — e por quanto tempo ele realmente fica?
Hoje, vamos analisar um dos maiores cases de crescimento dos últimos 10 anos no e-commerce americano.
📚 O inicío
A Blue Apron nasceu em Nova York em 2012, criada por Matt Salzberg (ex-venture capitalist), Ilia Papas (engenheiro de software) e Matt Wadiak (chef de cozinha).
Uma formação diferente do usual, mas isso foi intencional — eles sabiam que a empresa demandaria fundadores com diferentes backgrounds para construir algo único como a Blue Apron.

Matt Salzberg, Ilia Papas and Matt Wadiak – fundados da Blue Apron
Identificando uma nova tendência de consumo relacionada à comida, eles perceberam uma onda em que as pessoas queriam comer cada vez mais saudáveis e, também, que cozinhar era um momento de cuidado utilizado por muitos como uma forma de decompressão da semana de trabalho.
Logo, criaram a primeira experiência de meal kit no país com um propósito claro: simplificar a vida de quem queria cozinhar em casa, mas cuja rotina — ou habilidades culinárias — não ajudavam.
A proposta inicial resolvia 100% dessa dor do consumidor:
Ingredientes frescos, porcionados na medida certa, entregues semanalmente com receitas criadas por chefs.
Isso endereçava os dois gargalos da ação que o consumidor desejava:
🛒Ir ao mercado:

Com operação direta com grandes players como Walmater, Blue Apron se propôs a eliminar as idas ao mercado para cozinhar.
Para muitos, um ato de esforço relevante, exigindo deslocamento geográfico, controle das finanças pessoais e seleção de alimentos para um “planejamento” de refeições nos próximos dias e semanas;
👨🍳Criatividade Culinaria

Exemplos de passo a passo oferecidos para Blue Apron
Em uma vida cada vez mais dinamica, com uma enxurrada de informações a todo momento, o ato de planejar momentos de novos pratos ou desejos de refeições é realmente escasso. Além do que, ele sempre esbarra na capacidade tecnica da pessoa.
Logo, essa proposta eliminava o estresse de ir ao supermercado, além de oferecer ideias junto com um passo a passo claro para ajudar qualquer pessoa a cozinhar pratos sofisticados em casa.
Mas, como toda história de disrupção, o começo foi artesanal.
Os próprios fundadores empacotavam receitas em uma cozinha industrial alugada em Manhattan. Fizeram tudo: da ideação das receitas à separação dos alimentos e envio pelos correios.
Em pouco mais de dois anos, já tinham dezenas de milhares de clientes, milhões em receita e um produto que causava encantamento real. Quem usava, virava fã, o famoso “product-led growth”.
O que começou como um experimento em uma cozinha industrial virou um fenômeno cultural.
A Blue Apron trouxe para a mesa uma promessa emocional: reconectar as pessoas com o prazer de cozinhar. Ao fazer isso, criou uma nova categoria de consumo — um mercado que ainda não existia, mas que rapidamente se mostrou imenso.
💼 Modelo de Negócios
A empresa construiu sua narrativa em cima de três pilares - conveniência, aprendizado e sabor. Logo, eles inovaram ao trazer um modelo de receita que não era comum na época: assinatura.
A ideia era que a recorrência fosse o motor do negócio, já que queriam ser a empresa que viabilizaria o ato culinário na rotina das pessoas.

Cada semana era uma cardápio específico disponivel no site.
Pensando nisso, também incluíram a personalização.
Mesmo de forma controlada, ela dava ao cliente o poder de decisão sobre “o que comer”, o que o deixava feliz — além de haver uma diversificação clara de produtos, o que incentivaria a aquisição de novos clientes em conjunto com a permanência dos atuais.
Sobre os valores, eles acreditavam em uma faixa que consideravam um sweet spot.
O produto era mais caro que o supermercado, mas mais barato que o delivery.
A mente da Blue Apron foi, por muito tempo, disciplinada e focada. O crescimento era medido. Os canais eram testados com rigor.
O produto evoluía semanalmente com base em feedbacks. Era um modelo de aprendizado contínuo. Uma startup que parecia ter nascido adulta.
Mas, a partir de certo ponto, veio o dinheiro.
Com um produto que resolvia um problema real — e gerava amor no processo — a Blue Apron atraiu investidores famintos por crescimento.
Em 2014, já haviam levantado mais de US$ 60 milhões. Em 2015, veio um aporte gigantesco da Fidelity e uma valuation de US$ 2 bilhões.
A partir daí, a narrativa mudou: não era mais sobre cozinhar em casa com facilidade, mas sim sobre escalar — a qualquer custo.
💸 A Máquina de Aquisição mas sem retenção.
A Blue Apron soube contar sua história como poucas.
Cada campanha era emocional, aspiracional e, acima de tudo, humana. Mostrava famílias cozinhando juntas, casais descobrindo novos sabores, pais ensinando filhos a cortar legumes.
A empresa vendia mais que comida, vendia um novo jeito de enxergar comida.
A excelência da comunicação se traduziu em um ecossistema completo de mídia. Podcast ads em shows como “Serial” e “This American Life”. Comerciais televisivos com alta produção.
Influenciadores nas redes sociais mostrando o unboxing das caixas. Parcerias com Walmart, Amazon, DoorDash. A marca estava em todos os lugares.
Eles sabiam que não estavam apenas vendendo ingredientes, mas uma experiência.
E isso se refletia até no design das embalagens, no formato dos cartões de receita, na fotografia dos pratos. Havia um cuidado quase editorial em cada ponto de contato com o cliente.
Mas nem mesmo o melhor storytelling sobrevive quando não há entrega por trás não cumpre o que promete.
Quando isso acontecem a máquina de mídia, ao invés de fidelizar, vira uma potencializadora do churn.

Comparação de rentação de serviços de assinatura entre Blue Apron e outros modelos de assinatura, como Netflix.
🏃 A matemática do Crescimento
No papel, o produto da Blue Apron era impecável. Para muitos, a experiência inicial era mágica: cozinhar sem estresse, com resultado garantido.
A operação logística era extremamente delicada. A empresa precisava prever demanda com precisão cirúrgica, lidar com prazos curtos e garantir qualidade em todos os estados dos EUA.
Além disso, o produto não se adaptava tão facilmente a mudanças de hábito do consumidor. Muita gente queria flexibilidade, mas o modelo de assinatura era rígido demais. .
Logo, a empresa criou uma máquina de aquisição de clientes muito eficiente em volume, mas eles não se mantiam durante o tempo
Entre 2015 e 2017, a Blue Apron decidiu dobrar a aposta em mídia. Com investimentos milionários, a empresa ativou todos os canais possíveis: rádio, TV, digital, influencers, mídia impressa, parcerias com grandes plataformas. Estar em todos os lugares, para todos os públicos.
O CAC explodiu: chegou a ultrapassar US$ 400 por cliente em alguns trimestres.
O LTV, por sua vez, ficou abaixo de US$ 200 em média. O churn seguia alto — 80% dos clientes cancelavam após 12 meses. O payback era inviável.

Se o LTV não superar o CAC, isso significa que o payback é negativo, ou seja, você está rasgando dinheiro.
A marca virou símbolo de awareness sem profundidade.
🛠️ Aquisição pela Wonder Group
Em 2023, após anos de instabilidade financeira, a Blue Apron foi adquirida pela Wonder Group, empresa liderada por Marc Lore (ex-Walmart e Jet.com) e especializada em food delivery.
A aquisição veio como um respiro: acesso a uma infraestrutura logística mais robusta, dados integrados e um nova visão estratégicoa
A promessa da Wonder Group é integrar a Blue Apron em um ecossistema mais amplo: combinar o modelo de meal kits com delivery de refeições prontas, explorar sinergias operacionais e criar uma jornada alimentar mais fluida para o consumidor.
É a chance da Blue Apron evoluir de “serviço semanal” para “solução alimentar completa”.
🧠 5 pontos que aprendamos em um caso como esse:
📉 Crescimento sem retenção é ilusão
Se o cliente não fica, qualquer canal vira um buraco negro de caixa.💸 CAC não é tudo — CAC com payback saudável é o que importa
Adquirir por 300 e lucrar US$ 100 não é growth, é suicídio financeiro.🧪 Testar tudo não é estratégia — é desespero disfarçado
Você precisa de foco. Canal campeão. Mensagem clara. Persona específica. Depois, escalar.🧩 Produto e marketing precisam conversar
Se o produto encanta mas o modelo não sustenta, o marketing só vai acelerar o fracasso.🧘 Menos é mais: às vezes, crescer menos é o que salva
Uma empresa rentável e eficiente vale mais que um unicórnio desgovernado.
🎯 Conclusão: o que a Blue Apron nos ensina sobre crescimento real
A Blue Apron é um espelho para todos nós que trabalhamos com marcas e growth.
Mostra como é possível construir algo amado, desejado, inspirador — e mesmo assim falhar. Não por incompetência, mas por excesso de ansiedade mal direcionada.
Sim, o crescimento é necessário e urgente, mas ele deve ser feito da maneira correta. Se a empresa for sobrevivier, que ela viva como deve ser feito, e não se transforme em um “zumbi”.
Mais do que um case de marketing, a Blue Apron é um alerta que ensiona: o verdadeiro crescimento é aquele que aguenta o próprio peso.
E vocês, o que pensam que podemos tirar de insight a mais nesse caso?
No mais, voltamos na segunda que vem com uma edição especial do Última Linha.
Miguel
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